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Investidor deve ser restituído por dinheiro aplicado em corretora que faliu, diz STJ
O investidor que entregou dinheiro a uma corretora de valores para destinação específica tem direito a ser plena e imediatamente ressarcido na hipótese de falência, pois o montante não pode ser considerado crédito quirografário.
Freepikmãos em preto e branco colocam moedas em pilhas crescentes. Uma arte mostra uma seta e índice em vermelho, o que dá a ideia de juros que crescem
Valor do investidor foi reinvestido dias antes da falência da corretora de valores
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial da massa falida de uma corretora de valores, que visava incluir um crédito no processo de falência.
O valor em questão — R$ 205,3 mil — foi aplicado pelo investidor em 4 de outubro 2018 para a compra de títulos e valores mobiliários, e foi efetivamente reaplicado no dia seguinte. A liquidação extrajudicial da corretora ocorreu em 8 de outubro.
O cerne da disputa é decidir se esse montante se incorpora ao patrimônio da empresa, de maneira equiparada ao depósito em instituição financeira. Nessa hipótese, o valor deve ser inscrito como crédito quirografário no processo de falência.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, entendeu que a corretora é apenas uma intermediadora, sendo que os valores foram depositados para destinação específica — a aplicação em Letras do Tesouro Nacional.
Não é patrimônio do falido
Para o TJ-SP, isso faz com que o montante não integre o patrimônio da empresa falida. Logo, deve ser restituído ao investidor sem passar pelo processo da falência, pela aplicação da Súmula 417 do Supremo Tribunal Federal.
O enunciado diz que “pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.
Aplica-se ao caso, portanto, o artigo 85 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005), segundo o qual “o proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição”.
Por unanimidade de votos, a 3ª Turma do STJ manteve a posição do TJ-SP. Relator do recurso especial, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou a importância da distinção entre a instituição financeira e a corretora, para fins de restituição do valor aplicado._
Júri absolve por clemência autor de suposta vingança e TJ-MG mantém decisão
A absolvição pelo crime de homicídio cometido por suposta vingança não é manifestamente contrária às provas dos autos se os jurados decidirem inocentar o réu por clemência e essa tese for sustentada pela defesa no plenário do júri. Com essa conclusão, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento ao recurso de apelação do Ministério Público contra decisão do júri que absolveu um homem por matar outro a golpes de facão.
Freepikhomem segurando faca / esfaqueamento
O homem matou a facadas o padrasto de sua mulher, que supostamente havia abusado das enteadas
“Não se discute aqui, diga-se, o acerto ou não da decisão, e sim a existência de lastro probatório mínimo nos autos, relacionado à versão vencedora quando da votação dos quesitos”, observou o juiz convocado Mauro Riuji Yamane, relator da apelação.
O crime ocorreu em novembro de 2022 e o réu o confessou. Ele alegou que ficou “fora de si” quando a sua mulher lhe confidenciou que ela e a irmã, ainda crianças, entre 2003 e 2007, foram vítimas de abusos sexuais cometidos pelo então padrasto. Diante dessa revelação, o acusado contou que se dirigiu à frente da casa do ex-padrasto da mulher e o atacou quando ele chegava ao local de bicicleta. Atingida na cabeça, no tórax, no abdômen, nos braços e nas pernas, a vítima faleceu no local.
O réu fugiu, sendo posteriormente identificado pela polícia e denunciado. Para o MP, o homicídio foi qualificado pelo motivo torpe, devido à vingança, pela crueldade e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Diante da vingança admitida pelo réu por estupros que sequer ficaram comprovados, porque as supostas vítimas nunca haviam acusado o padrasto, o MP sustentou no recurso ser a tese defensiva de clemência manifestamente contrária à prova dos autos. Porém, para o relator, “a decisão não pode ser considerada contraditória, ou esdrúxula, considerando que a defesa, em plenário, sustentou o seu pleito de clemência, amparado no suposto crime praticado pela vítima em detrimento da esposa do acusado”.
Os desembargadores José Luiz de Moura Faleiros e Alberto Deodato Neto acompanharam Yamane. O colegiado destacou ser muito estreita a possibilidade de cassação do veredicto popular por manifesta contrariedade à prova dos autos.
Conforme o acórdão, é proibido ao juiz togado invadir a competência privativa do tribunal do júri, cuja soberania decorre de princípio constitucional, exceto se a decisão dos jurados for absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada das provas.
A decisão da 1ª Câmara Criminal do TJ-MG também citou que a possibilidade de absolvição em quesito genérico por clemência tem elevado grau de abstração e subjetividade, até porque a decisão dos jurados dispensa motivação. “Fala-se em democracia no júri por essa razão: a substituição do direito positivo a cargo do juiz pelo sentimento de justiça do júri popular”, finalizou o acórdão, reproduzindo esse ensinamento do jurista e professor Eugênio Pacelli de Oliveira.
Sem mais recursos
O acórdão transitará em julgado porque a Procuradoria de Justiça do MP-MG, com atuação nos tribunais superiores (PJTS), não recorrerá. Ela reconhece que a decisão do júri não foi manifestamente contrária à prova dos autos.
Segundo a assessoria especial da PJTS, a decisão dos jurados está embasada em uma “racionalidade mínima”, devido à vingança, não podendo se esquecer ainda da soberania dos veredictos prevista na Constituição Federal e do Tema 1.087 do Supremo Tribunal Federal.
Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, no julgamento do recurso extraordinário com agravo 1.225.185, com repercussão geral, o STF fixou tese que pode ser aplicável ao caso sob exame, conforme a PJTS. Essa tese faz parte do Tema 1.087. Segundo ela, o tribunal de apelação não determinará novo júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em ata, de pedido tendente à clemência ao acusado e os jurados o acolherem.
A única ressalva do tema é a de que a tese da defesa tenha compatibilidade com a Constituição Federal, com os precedentes vinculantes do STF e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos._
Saiba quem são os assessores que ajudam ministros do STJ em suas decisões
O Superior Tribunal de Justiça convocou em outubro 93 juízes para que atuem nos dez gabinetes da 3ª Seção da corte. O objetivo é auxiliar na produção de decisões e votos.
Marcello Casal Jr/Agência BrasilFachada STJ
ConJur listou servidores que foram cedidos ao STJ para que atuem nos gabinetes dos ministros
Para além dos juízes, servidores de áreas diversas são cedidos ao tribunal para que atuem nos gabinetes, auxiliando os ministros na tomada de decisões: há na corte advogados públicos, procuradores da Fazenda e até delegados da Polícia Federal, cedidos a pedido dos próprios ministros.
Há, por exemplo, 19 procuradores nos gabinetes dos ministros, entre procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais, municipais e estaduais. Dois policiais federais também integram o gabinete do ministro Francisco Falcão, sendo um deles delegado.
Também foram cedidos dois militares, sendo um segundo-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais e um segundo-tenente do Quadro de Oficiais da Reserva; cinco advogados da União; dez analistas ou técnicos do MPU; seis defensores públicos; e diversos analistas e técnicos judiciários.
Em sua segunda edição, o Anuário da Justiça do Direito Empresarial 2024, publicação da revista eletrônica Consultor Jurídico, passou a publicar os integrantes dos gabinetes de Direito Privado e Direito Público, entre eles os que foram cedidos à corte.
Saiba quem atua em cada gabinete e quais seus cargos. A lista leva em conta servidores cedidos até 31 de agosto deste ano:
Francisco Falcão
Izabella Piuzana Mucida, delegada da Polícia Federal
Antonio Silva Nascimento, agente da Polícia Federal
Ângelo Márcio Alves de Souza, segundo-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais
Cecília Teixeira Azevedo e Silva, segundo-tenente do Quadro de Oficiais da Reserva
Mônica Cristina de Almeida Lima, procuradora da Fazenda Nacional
Hermes Santos Blumenthal de Moraes, advogado da União
Carlos Alberto do Carmo Reis, agente administrativo
Adriana Ardilha da Silva da Costa, analista judiciária
Jader Borges Guimarães, agente administrativo
Nancy Andrighi
Mariana Morschel da Costa, analista do MPU
Rafael Teixeira Coimbra, analista judiciário
Renato José Ramalho Alves, procurador estadual
Rodrigo Casimiro Reis, defensor público
Rodrigo Grando, oficial superior judiciário
João Otávio de Noronha
Adecleiton Bezerra, agente de educação/vigilância
Bruna de Oliveira Mende, analista de apoio à assistência judiciária
Bruno Pereira Costa, analista judiciário
Carla Vanessa Abreu do Lago Jardim, analista judiciária
Não membros da UE devem ser cautelosos quanto à diretiva sobre dever de diligência em sustentabilidade
Em julho de 2024, entrou em vigor a Diretiva 2024/1760 da União Europeia sobre o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (CSDDD). Após extensa deliberação sobre seu escopo, a versão final da diretiva restringiu sua aplicação a empresas de responsabilidade limitada constituídas na União Europeia (UE) que empreguem mais de 1.000 pessoas e gerem um volume de negócios líquido mundial de pelo menos 450 milhões de euros, bem como a empresas não pertencentes à UE que alcancem um faturamento líquido de 450 milhões de euros dentro da UE.
Divulgação
Essas empresas são obrigadas a identificar e mitigar os riscos e impactos negativos sobre os direitos humanos e o meio ambiente decorrentes de suas próprias operações, bem como das de suas subsidiárias e dos parceiros comerciais ao longo de suas cadeias de valor. Para tanto, devem implementar um plano de dever de diligência (due diligence).
Escopo da CSDDD
A diretiva impõe um dever de diligência a essas empresas para monitorar suas cadeias de valor globais. Será estabelecida uma Autoridade Nacional de Supervisão em cada Estado-membro da U.E. para supervisionar o cumprimento da Diretiva. Esta autoridade terá competência para realizar investigações e impor sanções às empresas que não cumpram as obrigações estabelecidas. Após a transposição para a legislação nacional pelos estados-membros, a diretiva permite que as empresas matrizes sejam responsabilizadas nos tribunais de seus países de origem por falhas em devida diligência que resultem em danos ambientais ou violações dos direitos humanos dentro de suas cadeias de valor. Consequentemente, as empresas matrizes podem ser responsabilizadas pelos danos causados por seus parceiros afiliados que operam em países terceiros.
Alcance extraterritorial da diretiva
A Diretiva CSDD desafia o princípio tradicional da personalidade jurídica separada e contorna a doutrina frequentemente invocada do forum non conveniens em casos que envolvem a responsabilidade das empresas por danos transnacionais aos direitos humanos ou ao meio ambiente decorrentes de atividades empresariais. Do ponto de vista daqueles afetados pelos danos dentro das cadeias de valor, a diretiva representa uma inovação significativa. No entanto, ela também carrega ramificações legais e políticas negativas para os países não membros da UE, especialmente para os países do Sul Global. Essas ramificações decorrem principalmente do alcance extraterritorial da diretiva, que impõe obrigações de conformidade às empresas, independentemente de sua localização geográfica.
Concentração jurisdicional nas mãos dos juízes nacionais dos estados da UE
O escopo extraterritorial da Diretiva CSDD pode prejudicar a autoridade jurisdicional dos tribunais nacionais dos estados não membros da UE onde empresas europeias estejam envolvidas em danos ambientais ou violações de direitos humanos. Essa situação ocorre porque a empresa matriz de um grupo multinacional pode ser processada perante os tribunais de estados-membros da UE, independentemente de onde o dano tenha ocorrido. Em muitos casos, processar a empresa matriz, em vez das subsidiárias locais ou dos parceiros comerciais, é uma decisão estratégica, pois a matriz geralmente possui mais recursos para atender às eventuais reparações.
Spacca
Por conseguinte, os potenciais demandantes, incluindo as vítimas, os seus representantes legais e, especialmente, as organizações não-governamentais, podem ser inclinados a direcionar suas ações contra a empresa matriz para garantir a compensação. Essa tendência pode levar a uma concentração de litígios nos tribunais dos estados-membros da UE, marginalizando assim a jurisdição dos tribunais nos países onde os danos ao meio ambiente ou às pessoas ocorreram originalmente.
Tal mudança de jurisdição levanta preocupações porque o quadro legal estabelecido pela Diretiva CSDD favorece desproporcionalmente os tribunais dos estados da UE, relegando os tribunais domésticos dos estados não membros a um papel secundário ou inexistente na resolução desses casos. Esse fenômeno não remete à lógica inerente à tradução do direito internacional privado, pois parece alinhar-se menos com o objetivo de harmonização jurídica entre jurisdições da U.E. e aqueles fora dela, mais com uma forma de imperialismo jurídico.
Estabelecimento de um padrão globalizado de dever de diligência corporativa
A Diretiva CSDD estabelece um padrão europeu de dever de diligência, que, devido ao seu alcance extraterritorial, terá um impacto global. Esse padrão será aplicado às cadeias de valor globais das empresas europeias, independentemente da localização geográfica de suas operações. De acordo com a diretiva, essas empresas podem negociar garantias contratuais com seus parceiros comerciais diretos e indiretos, exigindo que eles cumpram os planos de diligência das empresas de acordo com as disposições da diretiva.
Caso esses parceiros se recusem a fornecer essas garantias, as empresas europeias poderão romper seus relacionamentos comerciais com eles. Uma ilustração notável de um fenômeno semelhante pode ser encontrada na recente controvérsia envolvendo o grupo varejista francês Carrefour, que declarou publicamente sua intenção de deixar de comprar carne de fornecedores brasileiros e de outros países do Mercosul, em resposta a preocupações sobre a sustentabilidade e os direitos humanos em suas cadeias de valor.
Superioridade reconhecida da Diretiva CSDD
O artigo 29(7) da Diretiva CSDD dispõe que “[o]s estados-membros asseguram que as disposições de direito nacional que transpõem o presente artigo sejam de aplicação imperativa nos casos em que a lei aplicável aos pedidos para o efeito não é a lei nacional de um estado-membro”. Esta disposição significa que, em caso de conflito de leis entre a legislação nacional de um estado-membro que implementa a diretiva e a legislação de um terceiro país, a legislação nacional do Estado-membro prevalecerá, mesmo que a legislação estrangeira seja mais favorável ou contenha padrões mais elevados de dever de diligência corporativa.
Nesse sentido, a diretiva afirma sua primazia sobre outros marcos legais, posicionando-se não apenas como o padrão europeu, mas também como um padrão global de dever de diligência. A Comissão Europeia qualificou a diretiva como um passo positivo para apoiar as práticas sustentáveis nos países em desenvolvimento; no entanto, esses países sequer foram consultados durante o processo de elaboração. Essa postura pode ser percebida como sendo condescendente. Ela impõe padrões europeus a jurisdições não europeias, sem considerar seus contextos legais, sociais ou econômicos. Além disso, a UE não tem nenhuma legitimidade para determinar o que é “bom” para os estados não membros.
Efeitos extraterritoriais da diretiva devem ser contidos pelos estados não membros da UE
À luz desses desenvolvimentos, apesar das importantes contribuições e aspectos inovadores incontestáveis da diretiva, ela pode ser vista como uma forma de imperialismo jurídico indelével. O alcance extraterritorial da diretiva representa um desafio significativo para os demais estados, especialmente para os países do Sul Global.
Em novembro de 2023, o Brasil adotou o Decreto 11.772, que estabelece uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas. Consultas interministeriais e oitivas com a sociedade civil estão sendo realizados para moldar essa política. No entanto, os efeitos extraterritoriais da Diretiva CSDD ainda não foram totalmente considerados pelas autoridades brasileiras, levantando preocupações sobre o potencial conflito entre a política nacional em construção e o marco europeu._
Mudança na Súmula 70 do TJ-RJ deixa criminalistas céticos, mas Defensoria vê avanço
A alteração do enunciado da Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que permitia a condenação do réu com base apenas em depoimentos de policiais, não deve aumentar a qualidade das ações penais, pois a nova redação é confusa, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Por outro lado, a Defensoria Pública do Rio — autora do pedido de reformulação da tese — acredita que a mudança foi um avanço e gerará decisões mais justas.
Fernando Frazão/ Agência Brasil
TJ-RJ deixou de aceitar condenação só com base na palavra de policiais
O Órgão Especial do TJ-RJ alterou nesta segunda-feira (9/12) o enunciado da súmula, que tinha a seguinte redação: “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
Por 13 votos a 1, o colegiado aprovou a proposta de enunciado apresentada pelo desembargador Luiz Zveiter, relator do caso. A Súmula 70 agora tem a seguinte redação: “O fato de a prova oral se restringir a depoimento de autoridades policiais e seus agentes autoriza condenação quando coerentes com as provas dos autos e devidamente fundamentada na sentença”.
Mudou pouco
O advogado e ex-professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado, hoje investigador integrado ao Instituto Ratio Legis da Universidade Autônoma de Lisboa, não acredita que a nova redação da Súmula 70 melhorará de modo significativo a qualidade dos processos penais e das sentenças.
“A rigor, mudou pouco. Do ponto de vista da prova penal haverá algum ganho, por exemplo, nos casos de flagrante delito, se a convicção judicial vier apoiada em gravações produzidas pelas câmeras que os policiais estiverem usando. E é pelo uso das câmeras que o bom policial estará protegido e as violências policiais poderão ser coibidas. Ainda assim, um conjunto probatório depende de investigação que se qualifica pela coleta de múltiplos elementos que devem ser coerentes e harmônicos entre si.”
Segundo Prado, o problema do enviesamento dos depoimentos dos policiais não é corrigido pela motivação da sentença, mas pela harmonia dessa prova com outros elementos probatórios, sem hierarquia entre eles.
“Qualquer prova condenatória deverá estar em harmonia com outras provas. Não faz sentido especificar uma delas — ‘o depoimento de agentes policiais’ —, salvo se o que se pretende é conferir a essa prova, a priori, maior peso, o que não é correto teoricamente. O melhor teria sido revogar a súmula e editar outra, coerente com posições do Supremo Tribunal Federal, exigindo o uso de câmeras nas abordagens policiais”, opina o processualista penal.
A nova redação da Súmula 70 “não é muito clara”, avalia o advogado Diogo Malan, professor de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da UFRJ.
“Uma interpretação possível é a de que foi criado regime jurídico de prova legal negativa: depoimentos policiais precisam ser corroborados por provas de outra natureza (à semelhança do que ocorre com o testemunho do colaborador premiado). É preciso aguardar a jurisprudência do TJ-RJ baseada nessa nova redação”, destaca Malan.
Defensoria comemora
A Defensoria Pública do Rio pediu, em 2018, o cancelamento ou, subsidiariamente, a revisão da norma ao Centro de Estudos e Debates do TJ-RJ. O então defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro, citou a análise de 1.250 acórdãos publicados entre 2013 e 2016, feita pela Coordenação de Defesa Criminal do órgão. O estudo apontou que magistrados vinham interpretando a Súmula 70 no sentido de presumir a veracidade dos depoimentos de policiais.
O defensor público-geral destacou que a normativa não tinha sido seguida por outros Tribunais de Justiça, e ressaltou que a jurisprudência do STF e do STJ considera que os depoimentos de policiais têm o mesmo valor probatório dos de outras testemunhas. Da forma como vinha sendo aplicada, disse Castro, a Súmula 70 “representava a completa subversão do sistema acusatório”, porque “deslocava o ônus probatório para a defesa, eximindo a acusação de produzir a prova daquilo que verte na denúncia”.
A decisão, embora não alcance o pedido de cancelamento, é um avanço na busca por julgamentos mais justos e fundamentados, avalia a Defensoria. Para a coordenadora de Defesa Criminal do órgão, Lúcia Helena de Oliveira, a alteração do texto é um marco significativo.
“A Súmula 70 tem 21 anos, e há duas décadas lutamos por um novo horizonte nesse tema. Embora o pedido inicial fosse pelo cancelamento, conseguimos um avanço. Temos um marco que deverá ter como consequência uma mudança de cultura nos julgamentos. Nesse sentido, vamos precisar monitorar os julgamentos para garantir que nossos assistidos tenham decisões mais justas, e que essas decisões observem todo o conjunto probatório e, também, os avanços tecnológicos. E, caso os resultados não sejam satisfatórios, seguiremos pleiteando os direitos de nossos assistidos”, diz Lúcia Helena.
O coordenador do Núcleo de Investigação Defensiva da Defensoria, Denis Sampaio, também afirma que a súmula original era um retrocesso em matéria de Direito Probatório.
“A nova redação exige que condenações baseadas em depoimentos de policiais estejam coerentes com as provas dos autos, com o fundamento expresso da coerência nas decisões. Podemos considerar um avanço, na medida em que o juiz deverá realizar um confronto entre as provas produzidas, no que tange à comprovação da autoria, mas precisamos monitorar os impactos práticos nas futuras decisões judiciais.”
Impacto nos julgamentos
Em parceria com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), a Defensoria fez um estudo sobre os impactos da Súmula 70 no julgamento de processos criminais. A pesquisa analisou dados entre 2019 e 2023, com foco em casos de tráfico de drogas julgados pelo TJ-RJ.
O levantamento revelou que, nos processos analisados em que houve aplicação da Súmula 70, 88,76% dos condenados eram do sexo masculino e negros. Esses números ilustram como a aplicação da Súmula 70 contribui para reproduzir desigualdades raciais, especialmente no contexto de delitos relacionados à Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), apontaram a Defensoria e o Geni-UFF.
Parecer de professores
Permitir a condenação com base apenas em depoimentos de policiais, como faz a Súmula 70 do TJ-RJ, distorce o processo penal, legitima abusos das forças de segurança e amplia a seletividade do sistema criminal, contribuindo para o encarceramento de negros e pobres.
Foi o que afirmaram Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj, e Mariana de Assis Brasil e Weigert, professora de Criminologia do programa de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá.
Em parecer encomendado pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, eles opinaram pelo cancelamento da norma. Os dois apontaram que o depoimento policial é “um dos pilares de sustentação das sentenças criminais condenatórias, especialmente nos delitos patrimoniais e nos ilícitos relacionados com o Direito Penal das drogas”.
A Súmula 70, destacaram eles, baseia-se na presunção de regularidade da atividade policial e das suas manifestações nos procedimentos administrativos e judiciais apuratórios de crimes. “Em razão do cargo, os agentes do Estado estariam resguardados pela fé pública e os seus depoimentos somente poderiam ser refutados se apresentadas provas que evidenciassem má-fé.” Porém, na América Latina, a regra é a violação, por ação ou omissão, da legalidade por parte de agentes dos sistemas punitivos, ressaltaram os professores.
Ao mesmo tempo em que os depoimentos de policiais recebem credibilidade exagerada, os de acusados, especialmente negros e pobres, são desvalorizados, fazendo com que eles sofram “injustiça epistêmica”, avaliaram os pareceristas. A injustiça epistêmica ocorre quando um ouvinte, por preconceito, atribui a um falante um nível de credibilidade que não corresponde às evidências de que ele esteja falando a verdade, conforme conceito formulado pela filósofa Miranda Fricker.
Decisões do STJ
O STJ vem consolidando o entendimento de que condenações criminais não podem ser exclusivamente fundamentadas em depoimentos de policiais.
Por avaliar que houve violação do direito ao silêncio e uma série de injustiças decorrentes da origem social do acusado, a 6ª Turma da corte superior absolveu, em junho de 2023, um jovem que foi condenado por tráfico de drogas apenas com base no depoimento de policiais que fizeram a prisão em flagrante (Recurso Especial 2.037.491)._
Causar acidente de trânsito fatal e fugir é homicídio doloso, diz juiz
Fugir do local de um acidente de trânsito fatal sem prestar socorro caracteriza homicídio doloso e gera pena de reclusão fechada. Com esse entendimento, o juiz Alexandre Sormani, da 1ª Vara Federal de Marília (SP), condenou dois homens por homicídio doloso qualificado e contrabando em razão do envolvimento em um acidente de trânsito ocorrido em agosto de 2017, que resultou na morte de uma mulher e lesões em seu marido.
Freepikcarro após batida
Homem que fugiu após causar acidente de trânsito fatal foi condenado por homicídio
O réu colidiu com o carro do casal e invadiu um estabelecimento comercial. Depois disso, ele abandonou o carro. A polícia encontrou o veículo, que tinha uma carga de cigarros contrabandeados. Com essa informação, o réu ficou entre os suspeitos. A investigação chegou até ele graças ao seu material genético encontrado no airbag do veículo.
O outro réu fazia a escolta da carga. Ele também foi condenado, mas não teve envolvimento direto no acidente, porque estava em outro veículo.
O réu que causou o acidente recebeu a pena de 18 anos e 15 dias de reclusão em regime inicial fechado. O batedor da carga foi condenado a 2 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial semiaberto.
O motorista que causou o acidente confessou ser o condutor do veículo durante o interrogatório em plenário. O outro réu admitiu ter atuado como batedor de carga de cigarros contrabandeados. Diante disso, eles receberam os atenuantes de pena previstos no Código Penal. O magistrado também determinou a execução imediata das prisões.
“Levando-se em conta a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, o Supremo Tribunal Federal compreende que é possível a execução imediata da pena privativa de liberdade, independente do trânsito em julgado, pois não haverá possibilidade de revisão recursal quanto ao mérito julgado pelo Conselho de Sentença, eis que as Cortes somente poderão analisar questões acessórias à condenação, questões essas que sejam atribuídas ao Juiz Presidente. Nessa linha de ideias, estabeleceu-se o seguinte precedente: ‘A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada.’ (Tema 1068 STF)”, escreveu o juiz._
Supressão do artigo 19 terceiriza culpa por conteúdos criminosos
No julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, sobre a ampliação da responsabilidade das chamadas “redes sociais”, falta um personagem na história. O debate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas.
A mera exclusão do artigo 19 do Marco Civil da Internet não mata o mal na raiz. Pior: terceiriza a responsabilidade que deve ser, principalmente, de quem dá causa aos crimes. O principal alvo, em caso de ofensas a direitos, é o seu autor — que deve ser chamado à lide. Afinal, se o conteúdo ilícito é suprimido na origem, não haverá como indexá-lo.
Evidente que, em casos óbvios que se relacionem a delitos gravíssimos, como pedofilia, atentados contra a democracia, racismo, tráfico de drogas e conexos, a própria plataforma deve providenciar a supressão. Mas, para casos menos evidentes, o juiz é o agente adequado para decidir.
FreepikDebate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas
Debate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas
Caso contrário, se delegará a empresas privadas funções de Estado. E cabe ao Estado reprimir e punir com rigor os detratores que, não raro, ofendem, desmoralizam e achincalham pessoas por encomenda. Ou seja: por dinheiro.
Culpados absolvidos
São diversas as situações em que autores de calúnias, injúrias e difamações são eximidos de responsabilidade. O maior lote de notícias fraudulentas da história do Brasil se deu nos anos áureos do esquema que se apelidou de “lava jato”.
Esse caso é paradigmático para dar contexto ao julgamento no STF. Agentes públicos, como delegados, procuradores e juízes, deflagraram uma campanha sem quartel contra empresas, empresários e ministros do STF.
Com a cumplicidade da imprensa, montou-se uma agência de notícias falsas. Empresas foram à falência. Os ministros passaram a ser perseguidos e ameaçados. O mutirão criminoso emparedou o STF para sustentar o falso movimento de “combate à corrupção”.
Ao final, viu-se que o verdadeiro objetivo do esquema não era identificar culpados e levá-los a condenações. Tratava-se de um projeto de poder. Foram as engrenagens dessa grande agência de publicidade que levaram ao Planalto e ao Congresso uma leva de oportunistas.
Responsabilizar quem indexou esse tipo de conteúdo tem dois efeitos: condena o autor errado e absolve os malfeitores — o que acaba por estimular a repetição dos delitos, que já são fabricados em escala industrial.
Os direitos fundamentais são cláusulas pétreas e as redes devem investir um pouco do que ganham no zelo quanto ao que difunde. Mas isso não tira dos ombros do espaço de origem a sua culpa.
O voto do ministro Dias Toffoli segue a clara estratégia de radicalizar o raciocínio para jogar luzes no debate e propiciar reflexão que leve ao caminho do meio. Atenuar a prepotência das empresas que estão perto de governar o planeta. Há um oceano de exemplos de abusos a exigir regras.
Gol contra
A atribuição de responsabilidade por meio do sistema judicial é sempre necessária para casos mais complexos — aspecto em que o artigo 19 é inatacável. Mas há situações nebulosas em que delegar a uma plataforma a incumbência de juiz ou polícia não atende o interesse público.
Outro exemplo de situação foi a Resolução 23.732 do Tribunal Superior Eleitoral. Feita às pressas e sem exame de impacto, estabeleceu que entrevistas que mencionassem projetos de leis configuram propaganda eleitoral.
Para proteger-se, o Google seguiu a regra de forma literal e vetou a difusão, por sua via paga, de entrevistas que mencionassem, por exemplo, a reforma tributária.
Mesmo colidindo com o interesse público, configurou-se situação exemplar de caso em que a delegação do ato de “julgar” às plataformas mostrou-se nociva.
Novamente: não foi a plataforma que deu causa ao mal-entendido e só deve responder subsidiariamente — e não em primeiro lugar, caso haja ofensa a direito. O primeiro a ser acionado deverá ser sempre o autor dos crimes contra honra ou o que se assemelhe.
O debate ganhará mais sentido se houver mais empenho na identificação e punição (exemplar) dos criminosos que, muitas vezes por dinheiro, destroem reputações e colocam as vidas de inocentes em perigo._
Advogado predatório responde junto de cliente por ligitância de má-fé, decide juiz
O advogado deve assumir solidariamente o ônus da condenação de um cliente por ligitância de má-fé na circunstância em que houver indícios concretos de que ele atuou de maneira predatória.
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Advogado condenado protocolou petições idênticas ao ajuizar ações contra o banco
Com esse entendimento, o juiz Luiz Antônio Campos Júnior, da 1ª Vara Cível de Jundiaí (SP), condenou um advogado, junto de uma cliente, a indenizar um banco. Ele ainda ordenou que os autos sejam remetidos ao Tribunal de Ética e Disciplina da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, para apurar a conduta do causídico.
A cliente ajuizou uma ação contra o banco alegando que teria passado a sofrer descontos indevidos na aposentadoria, após a contratação não requisitada de um cartão de crédito consignado, com juros abusivos.
A instituição financeira provou, no entanto, que a contratação foi consentida pela cliente mediante contrato com condições claras. O cartão vinha sendo utilizado por ela e operava com taxas de juros adequadas.
Advocacia predatória
O banco destacou que o mesmo advogado autor da ação havia ajuizado várias outras semelhantes nos meses anteriores. O juiz da causa reconheceu ter identificado mais de mil no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, com petições padrozinadas e informações genéricas, sem consideração das especificidades de cada caso.
“A prática é favorecida pela captação de clientes dotados de algum grau de vulnerabilidade, os quais podem ou não deter conhecimento acerca do ingresso da ação, e pelo uso de fraude, falsificação ou manipulação de documentos e omissão de informações relevantes, com nítido intento de obstaculizar o exercício do direito de defesa e potencializar os pleitos indenizatórios”, escreveu o magistrado, ao descrever o modus operandi do advogado.
O juiz registrou, ainda, que, das várias ações ajuizadas, o advogado obtém ganhos em uma ou outra em decorrência de revelia ou de deficiência na atuação defensiva. “Entre as derrotas e vitórias, os advogados predadores sustentam a atividade inescrupulosa, fazendo da atuação ilegítima um verdadeiro meio de vida e de enriquecimento rápido.”
Em razão disso, o advogado e a cliente terão de indenizar o banco em 20% sobre o valor da causa. O magistrado também determinou o envio da sentença ao Núcleo de Prevenção e Mediação de Conflitos (Nupomede), do TJ-SP, a fim de que sejam identificadas demandas idênticas e as implicações delas no Judiciário._
Investidor deve ser restituído por dinheiro aplicado em corretora que faliu, diz STJ
O investidor que entregou dinheiro a uma corretora de valores para destinação específica tem direito a ser plena e imediatamente ressarcido na hipótese de falência, pois o montante não pode ser considerado crédito quirografário.
Freepikmãos em preto e branco colocam moedas em pilhas crescentes. Uma arte mostra uma seta e índice em vermelho, o que dá a ideia de juros que crescem
Valor do investidor foi reinvestido dias antes da falência da corretora de valores
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso especial da massa falida de uma corretora de valores, que visava incluir um crédito no processo de falência.
O valor em questão — R$ 205,3 mil — foi aplicado pelo investidor em 4 de outubro 2018 para a compra de títulos e valores mobiliários, e foi efetivamente reaplicado no dia seguinte. A liquidação extrajudicial da corretora ocorreu em 8 de outubro.
O cerne da disputa é decidir se esse montante se incorpora ao patrimônio da empresa, de maneira equiparada ao depósito em instituição financeira. Nessa hipótese, o valor deve ser inscrito como crédito quirografário no processo de falência.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, porém, entendeu que a corretora é apenas uma intermediadora, sendo que os valores foram depositados para destinação específica — a aplicação em Letras do Tesouro Nacional.
Não é patrimônio do falido
Para o TJ-SP, isso faz com que o montante não integre o patrimônio da empresa falida. Logo, deve ser restituído ao investidor sem passar pelo processo da falência, pela aplicação da Súmula 417 do Supremo Tribunal Federal.
O enunciado diz que “pode ser objeto de restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem, ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade”.
Aplica-se ao caso, portanto, o artigo 85 da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005), segundo o qual “o proprietário de bem arrecadado no processo de falência ou que se encontre em poder do devedor na data da decretação da falência poderá pedir sua restituição”.
Por unanimidade de votos, a 3ª Turma do STJ manteve a posição do TJ-SP. Relator do recurso especial, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva destacou a importância da distinção entre a instituição financeira e a corretora, para fins de restituição do valor aplicado._
Júri absolve por clemência autor de suposta vingança e TJ-MG mantém decisão
A absolvição pelo crime de homicídio cometido por suposta vingança não é manifestamente contrária às provas dos autos se os jurados decidirem inocentar o réu por clemência e essa tese for sustentada pela defesa no plenário do júri. Com essa conclusão, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negou provimento ao recurso de apelação do Ministério Público contra decisão do júri que absolveu um homem por matar outro a golpes de facão.
Freepikhomem segurando faca / esfaqueamento
O homem matou a facadas o padrasto de sua mulher, que supostamente havia abusado das enteadas
“Não se discute aqui, diga-se, o acerto ou não da decisão, e sim a existência de lastro probatório mínimo nos autos, relacionado à versão vencedora quando da votação dos quesitos”, observou o juiz convocado Mauro Riuji Yamane, relator da apelação.
O crime ocorreu em novembro de 2022 e o réu o confessou. Ele alegou que ficou “fora de si” quando a sua mulher lhe confidenciou que ela e a irmã, ainda crianças, entre 2003 e 2007, foram vítimas de abusos sexuais cometidos pelo então padrasto. Diante dessa revelação, o acusado contou que se dirigiu à frente da casa do ex-padrasto da mulher e o atacou quando ele chegava ao local de bicicleta. Atingida na cabeça, no tórax, no abdômen, nos braços e nas pernas, a vítima faleceu no local.
O réu fugiu, sendo posteriormente identificado pela polícia e denunciado. Para o MP, o homicídio foi qualificado pelo motivo torpe, devido à vingança, pela crueldade e pelo emprego de recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Diante da vingança admitida pelo réu por estupros que sequer ficaram comprovados, porque as supostas vítimas nunca haviam acusado o padrasto, o MP sustentou no recurso ser a tese defensiva de clemência manifestamente contrária à prova dos autos. Porém, para o relator, “a decisão não pode ser considerada contraditória, ou esdrúxula, considerando que a defesa, em plenário, sustentou o seu pleito de clemência, amparado no suposto crime praticado pela vítima em detrimento da esposa do acusado”.
Os desembargadores José Luiz de Moura Faleiros e Alberto Deodato Neto acompanharam Yamane. O colegiado destacou ser muito estreita a possibilidade de cassação do veredicto popular por manifesta contrariedade à prova dos autos.
Conforme o acórdão, é proibido ao juiz togado invadir a competência privativa do tribunal do júri, cuja soberania decorre de princípio constitucional, exceto se a decisão dos jurados for absurda, escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada das provas.
A decisão da 1ª Câmara Criminal do TJ-MG também citou que a possibilidade de absolvição em quesito genérico por clemência tem elevado grau de abstração e subjetividade, até porque a decisão dos jurados dispensa motivação. “Fala-se em democracia no júri por essa razão: a substituição do direito positivo a cargo do juiz pelo sentimento de justiça do júri popular”, finalizou o acórdão, reproduzindo esse ensinamento do jurista e professor Eugênio Pacelli de Oliveira.
Sem mais recursos
O acórdão transitará em julgado porque a Procuradoria de Justiça do MP-MG, com atuação nos tribunais superiores (PJTS), não recorrerá. Ela reconhece que a decisão do júri não foi manifestamente contrária à prova dos autos.
Segundo a assessoria especial da PJTS, a decisão dos jurados está embasada em uma “racionalidade mínima”, devido à vingança, não podendo se esquecer ainda da soberania dos veredictos prevista na Constituição Federal e do Tema 1.087 do Supremo Tribunal Federal.
Sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, no julgamento do recurso extraordinário com agravo 1.225.185, com repercussão geral, o STF fixou tese que pode ser aplicável ao caso sob exame, conforme a PJTS. Essa tese faz parte do Tema 1.087. Segundo ela, o tribunal de apelação não determinará novo júri quando tiver ocorrido a apresentação, constante em ata, de pedido tendente à clemência ao acusado e os jurados o acolherem.
A única ressalva do tema é a de que a tese da defesa tenha compatibilidade com a Constituição Federal, com os precedentes vinculantes do STF e com as circunstâncias fáticas apresentadas nos autos._
Saiba quem são os assessores que ajudam ministros do STJ em suas decisões
O Superior Tribunal de Justiça convocou em outubro 93 juízes para que atuem nos dez gabinetes da 3ª Seção da corte. O objetivo é auxiliar na produção de decisões e votos.
Marcello Casal Jr/Agência BrasilFachada STJ
ConJur listou servidores que foram cedidos ao STJ para que atuem nos gabinetes dos ministros
Para além dos juízes, servidores de áreas diversas são cedidos ao tribunal para que atuem nos gabinetes, auxiliando os ministros na tomada de decisões: há na corte advogados públicos, procuradores da Fazenda e até delegados da Polícia Federal, cedidos a pedido dos próprios ministros.
Há, por exemplo, 19 procuradores nos gabinetes dos ministros, entre procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais, municipais e estaduais. Dois policiais federais também integram o gabinete do ministro Francisco Falcão, sendo um deles delegado.
Também foram cedidos dois militares, sendo um segundo-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais e um segundo-tenente do Quadro de Oficiais da Reserva; cinco advogados da União; dez analistas ou técnicos do MPU; seis defensores públicos; e diversos analistas e técnicos judiciários.
Em sua segunda edição, o Anuário da Justiça do Direito Empresarial 2024, publicação da revista eletrônica Consultor Jurídico, passou a publicar os integrantes dos gabinetes de Direito Privado e Direito Público, entre eles os que foram cedidos à corte.
Saiba quem atua em cada gabinete e quais seus cargos. A lista leva em conta servidores cedidos até 31 de agosto deste ano:
Francisco Falcão
Izabella Piuzana Mucida, delegada da Polícia Federal
Antonio Silva Nascimento, agente da Polícia Federal
Ângelo Márcio Alves de Souza, segundo-tenente do Quadro Auxiliar de Oficiais
Cecília Teixeira Azevedo e Silva, segundo-tenente do Quadro de Oficiais da Reserva
Mônica Cristina de Almeida Lima, procuradora da Fazenda Nacional
Hermes Santos Blumenthal de Moraes, advogado da União
Carlos Alberto do Carmo Reis, agente administrativo
Adriana Ardilha da Silva da Costa, analista judiciária
Jader Borges Guimarães, agente administrativo
Nancy Andrighi
Mariana Morschel da Costa, analista do MPU
Rafael Teixeira Coimbra, analista judiciário
Renato José Ramalho Alves, procurador estadual
Rodrigo Casimiro Reis, defensor público
Rodrigo Grando, oficial superior judiciário
João Otávio de Noronha
Adecleiton Bezerra, agente de educação/vigilância
Bruna de Oliveira Mende, analista de apoio à assistência judiciária
Bruno Pereira Costa, analista judiciário
Carla Vanessa Abreu do Lago Jardim, analista judiciária
Não membros da UE devem ser cautelosos quanto à diretiva sobre dever de diligência em sustentabilidade
Em julho de 2024, entrou em vigor a Diretiva 2024/1760 da União Europeia sobre o dever de diligência das empresas em matéria de sustentabilidade (CSDDD). Após extensa deliberação sobre seu escopo, a versão final da diretiva restringiu sua aplicação a empresas de responsabilidade limitada constituídas na União Europeia (UE) que empreguem mais de 1.000 pessoas e gerem um volume de negócios líquido mundial de pelo menos 450 milhões de euros, bem como a empresas não pertencentes à UE que alcancem um faturamento líquido de 450 milhões de euros dentro da UE.
Divulgação
Essas empresas são obrigadas a identificar e mitigar os riscos e impactos negativos sobre os direitos humanos e o meio ambiente decorrentes de suas próprias operações, bem como das de suas subsidiárias e dos parceiros comerciais ao longo de suas cadeias de valor. Para tanto, devem implementar um plano de dever de diligência (due diligence).
Escopo da CSDDD
A diretiva impõe um dever de diligência a essas empresas para monitorar suas cadeias de valor globais. Será estabelecida uma Autoridade Nacional de Supervisão em cada Estado-membro da U.E. para supervisionar o cumprimento da Diretiva. Esta autoridade terá competência para realizar investigações e impor sanções às empresas que não cumpram as obrigações estabelecidas. Após a transposição para a legislação nacional pelos estados-membros, a diretiva permite que as empresas matrizes sejam responsabilizadas nos tribunais de seus países de origem por falhas em devida diligência que resultem em danos ambientais ou violações dos direitos humanos dentro de suas cadeias de valor. Consequentemente, as empresas matrizes podem ser responsabilizadas pelos danos causados por seus parceiros afiliados que operam em países terceiros.
Alcance extraterritorial da diretiva
A Diretiva CSDD desafia o princípio tradicional da personalidade jurídica separada e contorna a doutrina frequentemente invocada do forum non conveniens em casos que envolvem a responsabilidade das empresas por danos transnacionais aos direitos humanos ou ao meio ambiente decorrentes de atividades empresariais. Do ponto de vista daqueles afetados pelos danos dentro das cadeias de valor, a diretiva representa uma inovação significativa. No entanto, ela também carrega ramificações legais e políticas negativas para os países não membros da UE, especialmente para os países do Sul Global. Essas ramificações decorrem principalmente do alcance extraterritorial da diretiva, que impõe obrigações de conformidade às empresas, independentemente de sua localização geográfica.
Concentração jurisdicional nas mãos dos juízes nacionais dos estados da UE
O escopo extraterritorial da Diretiva CSDD pode prejudicar a autoridade jurisdicional dos tribunais nacionais dos estados não membros da UE onde empresas europeias estejam envolvidas em danos ambientais ou violações de direitos humanos. Essa situação ocorre porque a empresa matriz de um grupo multinacional pode ser processada perante os tribunais de estados-membros da UE, independentemente de onde o dano tenha ocorrido. Em muitos casos, processar a empresa matriz, em vez das subsidiárias locais ou dos parceiros comerciais, é uma decisão estratégica, pois a matriz geralmente possui mais recursos para atender às eventuais reparações.
Spacca
Por conseguinte, os potenciais demandantes, incluindo as vítimas, os seus representantes legais e, especialmente, as organizações não-governamentais, podem ser inclinados a direcionar suas ações contra a empresa matriz para garantir a compensação. Essa tendência pode levar a uma concentração de litígios nos tribunais dos estados-membros da UE, marginalizando assim a jurisdição dos tribunais nos países onde os danos ao meio ambiente ou às pessoas ocorreram originalmente.
Tal mudança de jurisdição levanta preocupações porque o quadro legal estabelecido pela Diretiva CSDD favorece desproporcionalmente os tribunais dos estados da UE, relegando os tribunais domésticos dos estados não membros a um papel secundário ou inexistente na resolução desses casos. Esse fenômeno não remete à lógica inerente à tradução do direito internacional privado, pois parece alinhar-se menos com o objetivo de harmonização jurídica entre jurisdições da U.E. e aqueles fora dela, mais com uma forma de imperialismo jurídico.
Estabelecimento de um padrão globalizado de dever de diligência corporativa
A Diretiva CSDD estabelece um padrão europeu de dever de diligência, que, devido ao seu alcance extraterritorial, terá um impacto global. Esse padrão será aplicado às cadeias de valor globais das empresas europeias, independentemente da localização geográfica de suas operações. De acordo com a diretiva, essas empresas podem negociar garantias contratuais com seus parceiros comerciais diretos e indiretos, exigindo que eles cumpram os planos de diligência das empresas de acordo com as disposições da diretiva.
Caso esses parceiros se recusem a fornecer essas garantias, as empresas europeias poderão romper seus relacionamentos comerciais com eles. Uma ilustração notável de um fenômeno semelhante pode ser encontrada na recente controvérsia envolvendo o grupo varejista francês Carrefour, que declarou publicamente sua intenção de deixar de comprar carne de fornecedores brasileiros e de outros países do Mercosul, em resposta a preocupações sobre a sustentabilidade e os direitos humanos em suas cadeias de valor.
Superioridade reconhecida da Diretiva CSDD
O artigo 29(7) da Diretiva CSDD dispõe que “[o]s estados-membros asseguram que as disposições de direito nacional que transpõem o presente artigo sejam de aplicação imperativa nos casos em que a lei aplicável aos pedidos para o efeito não é a lei nacional de um estado-membro”. Esta disposição significa que, em caso de conflito de leis entre a legislação nacional de um estado-membro que implementa a diretiva e a legislação de um terceiro país, a legislação nacional do Estado-membro prevalecerá, mesmo que a legislação estrangeira seja mais favorável ou contenha padrões mais elevados de dever de diligência corporativa.
Nesse sentido, a diretiva afirma sua primazia sobre outros marcos legais, posicionando-se não apenas como o padrão europeu, mas também como um padrão global de dever de diligência. A Comissão Europeia qualificou a diretiva como um passo positivo para apoiar as práticas sustentáveis nos países em desenvolvimento; no entanto, esses países sequer foram consultados durante o processo de elaboração. Essa postura pode ser percebida como sendo condescendente. Ela impõe padrões europeus a jurisdições não europeias, sem considerar seus contextos legais, sociais ou econômicos. Além disso, a UE não tem nenhuma legitimidade para determinar o que é “bom” para os estados não membros.
Efeitos extraterritoriais da diretiva devem ser contidos pelos estados não membros da UE
À luz desses desenvolvimentos, apesar das importantes contribuições e aspectos inovadores incontestáveis da diretiva, ela pode ser vista como uma forma de imperialismo jurídico indelével. O alcance extraterritorial da diretiva representa um desafio significativo para os demais estados, especialmente para os países do Sul Global.
Em novembro de 2023, o Brasil adotou o Decreto 11.772, que estabelece uma Política Nacional de Direitos Humanos e Empresas. Consultas interministeriais e oitivas com a sociedade civil estão sendo realizados para moldar essa política. No entanto, os efeitos extraterritoriais da Diretiva CSDD ainda não foram totalmente considerados pelas autoridades brasileiras, levantando preocupações sobre o potencial conflito entre a política nacional em construção e o marco europeu._
Mudança na Súmula 70 do TJ-RJ deixa criminalistas céticos, mas Defensoria vê avanço
A alteração do enunciado da Súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que permitia a condenação do réu com base apenas em depoimentos de policiais, não deve aumentar a qualidade das ações penais, pois a nova redação é confusa, segundo especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Por outro lado, a Defensoria Pública do Rio — autora do pedido de reformulação da tese — acredita que a mudança foi um avanço e gerará decisões mais justas.
Fernando Frazão/ Agência Brasil
TJ-RJ deixou de aceitar condenação só com base na palavra de policiais
O Órgão Especial do TJ-RJ alterou nesta segunda-feira (9/12) o enunciado da súmula, que tinha a seguinte redação: “O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”.
Por 13 votos a 1, o colegiado aprovou a proposta de enunciado apresentada pelo desembargador Luiz Zveiter, relator do caso. A Súmula 70 agora tem a seguinte redação: “O fato de a prova oral se restringir a depoimento de autoridades policiais e seus agentes autoriza condenação quando coerentes com as provas dos autos e devidamente fundamentada na sentença”.
Mudou pouco
O advogado e ex-professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Geraldo Prado, hoje investigador integrado ao Instituto Ratio Legis da Universidade Autônoma de Lisboa, não acredita que a nova redação da Súmula 70 melhorará de modo significativo a qualidade dos processos penais e das sentenças.
“A rigor, mudou pouco. Do ponto de vista da prova penal haverá algum ganho, por exemplo, nos casos de flagrante delito, se a convicção judicial vier apoiada em gravações produzidas pelas câmeras que os policiais estiverem usando. E é pelo uso das câmeras que o bom policial estará protegido e as violências policiais poderão ser coibidas. Ainda assim, um conjunto probatório depende de investigação que se qualifica pela coleta de múltiplos elementos que devem ser coerentes e harmônicos entre si.”
Segundo Prado, o problema do enviesamento dos depoimentos dos policiais não é corrigido pela motivação da sentença, mas pela harmonia dessa prova com outros elementos probatórios, sem hierarquia entre eles.
“Qualquer prova condenatória deverá estar em harmonia com outras provas. Não faz sentido especificar uma delas — ‘o depoimento de agentes policiais’ —, salvo se o que se pretende é conferir a essa prova, a priori, maior peso, o que não é correto teoricamente. O melhor teria sido revogar a súmula e editar outra, coerente com posições do Supremo Tribunal Federal, exigindo o uso de câmeras nas abordagens policiais”, opina o processualista penal.
A nova redação da Súmula 70 “não é muito clara”, avalia o advogado Diogo Malan, professor de Direito Processual Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da UFRJ.
“Uma interpretação possível é a de que foi criado regime jurídico de prova legal negativa: depoimentos policiais precisam ser corroborados por provas de outra natureza (à semelhança do que ocorre com o testemunho do colaborador premiado). É preciso aguardar a jurisprudência do TJ-RJ baseada nessa nova redação”, destaca Malan.
Defensoria comemora
A Defensoria Pública do Rio pediu, em 2018, o cancelamento ou, subsidiariamente, a revisão da norma ao Centro de Estudos e Debates do TJ-RJ. O então defensor público-geral do Rio, André Luís Machado de Castro, citou a análise de 1.250 acórdãos publicados entre 2013 e 2016, feita pela Coordenação de Defesa Criminal do órgão. O estudo apontou que magistrados vinham interpretando a Súmula 70 no sentido de presumir a veracidade dos depoimentos de policiais.
O defensor público-geral destacou que a normativa não tinha sido seguida por outros Tribunais de Justiça, e ressaltou que a jurisprudência do STF e do STJ considera que os depoimentos de policiais têm o mesmo valor probatório dos de outras testemunhas. Da forma como vinha sendo aplicada, disse Castro, a Súmula 70 “representava a completa subversão do sistema acusatório”, porque “deslocava o ônus probatório para a defesa, eximindo a acusação de produzir a prova daquilo que verte na denúncia”.
A decisão, embora não alcance o pedido de cancelamento, é um avanço na busca por julgamentos mais justos e fundamentados, avalia a Defensoria. Para a coordenadora de Defesa Criminal do órgão, Lúcia Helena de Oliveira, a alteração do texto é um marco significativo.
“A Súmula 70 tem 21 anos, e há duas décadas lutamos por um novo horizonte nesse tema. Embora o pedido inicial fosse pelo cancelamento, conseguimos um avanço. Temos um marco que deverá ter como consequência uma mudança de cultura nos julgamentos. Nesse sentido, vamos precisar monitorar os julgamentos para garantir que nossos assistidos tenham decisões mais justas, e que essas decisões observem todo o conjunto probatório e, também, os avanços tecnológicos. E, caso os resultados não sejam satisfatórios, seguiremos pleiteando os direitos de nossos assistidos”, diz Lúcia Helena.
O coordenador do Núcleo de Investigação Defensiva da Defensoria, Denis Sampaio, também afirma que a súmula original era um retrocesso em matéria de Direito Probatório.
“A nova redação exige que condenações baseadas em depoimentos de policiais estejam coerentes com as provas dos autos, com o fundamento expresso da coerência nas decisões. Podemos considerar um avanço, na medida em que o juiz deverá realizar um confronto entre as provas produzidas, no que tange à comprovação da autoria, mas precisamos monitorar os impactos práticos nas futuras decisões judiciais.”
Impacto nos julgamentos
Em parceria com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), a Defensoria fez um estudo sobre os impactos da Súmula 70 no julgamento de processos criminais. A pesquisa analisou dados entre 2019 e 2023, com foco em casos de tráfico de drogas julgados pelo TJ-RJ.
O levantamento revelou que, nos processos analisados em que houve aplicação da Súmula 70, 88,76% dos condenados eram do sexo masculino e negros. Esses números ilustram como a aplicação da Súmula 70 contribui para reproduzir desigualdades raciais, especialmente no contexto de delitos relacionados à Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), apontaram a Defensoria e o Geni-UFF.
Parecer de professores
Permitir a condenação com base apenas em depoimentos de policiais, como faz a Súmula 70 do TJ-RJ, distorce o processo penal, legitima abusos das forças de segurança e amplia a seletividade do sistema criminal, contribuindo para o encarceramento de negros e pobres.
Foi o que afirmaram Salo de Carvalho, professor de Direito Penal da UFRJ e da Uerj, e Mariana de Assis Brasil e Weigert, professora de Criminologia do programa de pós-graduação da Universidade Estácio de Sá.
Em parecer encomendado pelo Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, eles opinaram pelo cancelamento da norma. Os dois apontaram que o depoimento policial é “um dos pilares de sustentação das sentenças criminais condenatórias, especialmente nos delitos patrimoniais e nos ilícitos relacionados com o Direito Penal das drogas”.
A Súmula 70, destacaram eles, baseia-se na presunção de regularidade da atividade policial e das suas manifestações nos procedimentos administrativos e judiciais apuratórios de crimes. “Em razão do cargo, os agentes do Estado estariam resguardados pela fé pública e os seus depoimentos somente poderiam ser refutados se apresentadas provas que evidenciassem má-fé.” Porém, na América Latina, a regra é a violação, por ação ou omissão, da legalidade por parte de agentes dos sistemas punitivos, ressaltaram os professores.
Ao mesmo tempo em que os depoimentos de policiais recebem credibilidade exagerada, os de acusados, especialmente negros e pobres, são desvalorizados, fazendo com que eles sofram “injustiça epistêmica”, avaliaram os pareceristas. A injustiça epistêmica ocorre quando um ouvinte, por preconceito, atribui a um falante um nível de credibilidade que não corresponde às evidências de que ele esteja falando a verdade, conforme conceito formulado pela filósofa Miranda Fricker.
Decisões do STJ
O STJ vem consolidando o entendimento de que condenações criminais não podem ser exclusivamente fundamentadas em depoimentos de policiais.
Por avaliar que houve violação do direito ao silêncio e uma série de injustiças decorrentes da origem social do acusado, a 6ª Turma da corte superior absolveu, em junho de 2023, um jovem que foi condenado por tráfico de drogas apenas com base no depoimento de policiais que fizeram a prisão em flagrante (Recurso Especial 2.037.491)._
Causar acidente de trânsito fatal e fugir é homicídio doloso, diz juiz
Fugir do local de um acidente de trânsito fatal sem prestar socorro caracteriza homicídio doloso e gera pena de reclusão fechada. Com esse entendimento, o juiz Alexandre Sormani, da 1ª Vara Federal de Marília (SP), condenou dois homens por homicídio doloso qualificado e contrabando em razão do envolvimento em um acidente de trânsito ocorrido em agosto de 2017, que resultou na morte de uma mulher e lesões em seu marido.
Freepikcarro após batida
Homem que fugiu após causar acidente de trânsito fatal foi condenado por homicídio
O réu colidiu com o carro do casal e invadiu um estabelecimento comercial. Depois disso, ele abandonou o carro. A polícia encontrou o veículo, que tinha uma carga de cigarros contrabandeados. Com essa informação, o réu ficou entre os suspeitos. A investigação chegou até ele graças ao seu material genético encontrado no airbag do veículo.
O outro réu fazia a escolta da carga. Ele também foi condenado, mas não teve envolvimento direto no acidente, porque estava em outro veículo.
O réu que causou o acidente recebeu a pena de 18 anos e 15 dias de reclusão em regime inicial fechado. O batedor da carga foi condenado a 2 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial semiaberto.
O motorista que causou o acidente confessou ser o condutor do veículo durante o interrogatório em plenário. O outro réu admitiu ter atuado como batedor de carga de cigarros contrabandeados. Diante disso, eles receberam os atenuantes de pena previstos no Código Penal. O magistrado também determinou a execução imediata das prisões.
“Levando-se em conta a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, o Supremo Tribunal Federal compreende que é possível a execução imediata da pena privativa de liberdade, independente do trânsito em julgado, pois não haverá possibilidade de revisão recursal quanto ao mérito julgado pelo Conselho de Sentença, eis que as Cortes somente poderão analisar questões acessórias à condenação, questões essas que sejam atribuídas ao Juiz Presidente. Nessa linha de ideias, estabeleceu-se o seguinte precedente: ‘A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada.’ (Tema 1068 STF)”, escreveu o juiz._
Supressão do artigo 19 terceiriza culpa por conteúdos criminosos
No julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, sobre a ampliação da responsabilidade das chamadas “redes sociais”, falta um personagem na história. O debate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas.
A mera exclusão do artigo 19 do Marco Civil da Internet não mata o mal na raiz. Pior: terceiriza a responsabilidade que deve ser, principalmente, de quem dá causa aos crimes. O principal alvo, em caso de ofensas a direitos, é o seu autor — que deve ser chamado à lide. Afinal, se o conteúdo ilícito é suprimido na origem, não haverá como indexá-lo.
Evidente que, em casos óbvios que se relacionem a delitos gravíssimos, como pedofilia, atentados contra a democracia, racismo, tráfico de drogas e conexos, a própria plataforma deve providenciar a supressão. Mas, para casos menos evidentes, o juiz é o agente adequado para decidir.
FreepikDebate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas
Debate se concentra em quem indexa ou reproduz conteúdo — o que abstrai ou minimiza a culpa dos caluniadores e autores das ofensas
Caso contrário, se delegará a empresas privadas funções de Estado. E cabe ao Estado reprimir e punir com rigor os detratores que, não raro, ofendem, desmoralizam e achincalham pessoas por encomenda. Ou seja: por dinheiro.
Culpados absolvidos
São diversas as situações em que autores de calúnias, injúrias e difamações são eximidos de responsabilidade. O maior lote de notícias fraudulentas da história do Brasil se deu nos anos áureos do esquema que se apelidou de “lava jato”.
Esse caso é paradigmático para dar contexto ao julgamento no STF. Agentes públicos, como delegados, procuradores e juízes, deflagraram uma campanha sem quartel contra empresas, empresários e ministros do STF.
Com a cumplicidade da imprensa, montou-se uma agência de notícias falsas. Empresas foram à falência. Os ministros passaram a ser perseguidos e ameaçados. O mutirão criminoso emparedou o STF para sustentar o falso movimento de “combate à corrupção”.
Ao final, viu-se que o verdadeiro objetivo do esquema não era identificar culpados e levá-los a condenações. Tratava-se de um projeto de poder. Foram as engrenagens dessa grande agência de publicidade que levaram ao Planalto e ao Congresso uma leva de oportunistas.
Responsabilizar quem indexou esse tipo de conteúdo tem dois efeitos: condena o autor errado e absolve os malfeitores — o que acaba por estimular a repetição dos delitos, que já são fabricados em escala industrial.
Os direitos fundamentais são cláusulas pétreas e as redes devem investir um pouco do que ganham no zelo quanto ao que difunde. Mas isso não tira dos ombros do espaço de origem a sua culpa.
O voto do ministro Dias Toffoli segue a clara estratégia de radicalizar o raciocínio para jogar luzes no debate e propiciar reflexão que leve ao caminho do meio. Atenuar a prepotência das empresas que estão perto de governar o planeta. Há um oceano de exemplos de abusos a exigir regras.
Gol contra
A atribuição de responsabilidade por meio do sistema judicial é sempre necessária para casos mais complexos — aspecto em que o artigo 19 é inatacável. Mas há situações nebulosas em que delegar a uma plataforma a incumbência de juiz ou polícia não atende o interesse público.
Outro exemplo de situação foi a Resolução 23.732 do Tribunal Superior Eleitoral. Feita às pressas e sem exame de impacto, estabeleceu que entrevistas que mencionassem projetos de leis configuram propaganda eleitoral.
Para proteger-se, o Google seguiu a regra de forma literal e vetou a difusão, por sua via paga, de entrevistas que mencionassem, por exemplo, a reforma tributária.
Mesmo colidindo com o interesse público, configurou-se situação exemplar de caso em que a delegação do ato de “julgar” às plataformas mostrou-se nociva.
Novamente: não foi a plataforma que deu causa ao mal-entendido e só deve responder subsidiariamente — e não em primeiro lugar, caso haja ofensa a direito. O primeiro a ser acionado deverá ser sempre o autor dos crimes contra honra ou o que se assemelhe.
O debate ganhará mais sentido se houver mais empenho na identificação e punição (exemplar) dos criminosos que, muitas vezes por dinheiro, destroem reputações e colocam as vidas de inocentes em perigo._
Advogado predatório responde junto de cliente por ligitância de má-fé, decide juiz
O advogado deve assumir solidariamente o ônus da condenação de um cliente por ligitância de má-fé na circunstância em que houver indícios concretos de que ele atuou de maneira predatória.
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Advogado condenado protocolou petições idênticas ao ajuizar ações contra o banco
Com esse entendimento, o juiz Luiz Antônio Campos Júnior, da 1ª Vara Cível de Jundiaí (SP), condenou um advogado, junto de uma cliente, a indenizar um banco. Ele ainda ordenou que os autos sejam remetidos ao Tribunal de Ética e Disciplina da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, para apurar a conduta do causídico.
A cliente ajuizou uma ação contra o banco alegando que teria passado a sofrer descontos indevidos na aposentadoria, após a contratação não requisitada de um cartão de crédito consignado, com juros abusivos.
A instituição financeira provou, no entanto, que a contratação foi consentida pela cliente mediante contrato com condições claras. O cartão vinha sendo utilizado por ela e operava com taxas de juros adequadas.
Advocacia predatória
O banco destacou que o mesmo advogado autor da ação havia ajuizado várias outras semelhantes nos meses anteriores. O juiz da causa reconheceu ter identificado mais de mil no site do Tribunal de Justiça de São Paulo, com petições padrozinadas e informações genéricas, sem consideração das especificidades de cada caso.
“A prática é favorecida pela captação de clientes dotados de algum grau de vulnerabilidade, os quais podem ou não deter conhecimento acerca do ingresso da ação, e pelo uso de fraude, falsificação ou manipulação de documentos e omissão de informações relevantes, com nítido intento de obstaculizar o exercício do direito de defesa e potencializar os pleitos indenizatórios”, escreveu o magistrado, ao descrever o modus operandi do advogado.
O juiz registrou, ainda, que, das várias ações ajuizadas, o advogado obtém ganhos em uma ou outra em decorrência de revelia ou de deficiência na atuação defensiva. “Entre as derrotas e vitórias, os advogados predadores sustentam a atividade inescrupulosa, fazendo da atuação ilegítima um verdadeiro meio de vida e de enriquecimento rápido.”
Em razão disso, o advogado e a cliente terão de indenizar o banco em 20% sobre o valor da causa. O magistrado também determinou o envio da sentença ao Núcleo de Prevenção e Mediação de Conflitos (Nupomede), do TJ-SP, a fim de que sejam identificadas demandas idênticas e as implicações delas no Judiciário._